terça-feira, 18 de junho de 2013

# 256



Toda a gente sabe que embora se tratando de uma obra de ficção, Caçador Branco, Coração Negro (1990) é mais que apenas inspirado na figura do realizador John Huston (1906-1987) e na rodagem de A Raínha Africana (1951), filme que juntou Katherine Hepburn e Humphrey Bogart.
Mas se Huston é o arquétipo do projecto, a alma talvez esteja com John Ford (1894-1973) e mais em concreto com uma das suas obras-primas, O Homem que Matou Liberty Valance (1962). Lembrei-me muito de Ford no momento em que John Wilson (Clint Eastwood, realizador do filme e realizador no filme) prestes a iniciar a rodagem, é desviado para uma última caçada, na tentativa de abater o poderoso elefante que ele tanto perseguira. É claro que o elefante simboliza no filme de Eastwood um desafio, um reduto de heroismo de natureza lendária que alimentou a ficção de aventuras, quer sob a forma de literatura ou cinema. O homem a medir a sua valentia com um animal cuja existência se confunde com a idade e a grandeza do continente que ambos habitam. E tal como John Ford havia feito, Eastwood opta por dar conta dos factos, apesar de neste caso se parodiar o mito.
A caçada corre mal, Wilson, num primeiro momento, influenciado pela opinião dos seus companheiros, hesita em atirar sobre o animal, que carregará sobre o guia africano que se lhe atravessa à frente matando-o. Não se abateu o elefante, mas fez-se o filme (o de Huston, mas também o de Eastwood). Isto ficará de fora de Caçador Branco, Coração Negro, que termina quando Wilson dá voz de "acção" na rodagem do primeiro plano (de A Raínha Africana). Instantes antes tinham-se ouvido os tambores tribais que davam conta da morte de Kivu, o guia africano. O que exclamavam os tambores, repetidas vezes, era "caçador branco, coração negro". A glória perseguida pelo homem branco, a superação que permitiria ascender ao estatuto de lenda, era anúncio de morte, e ali, de novo, a violação de uma ordem anteriormente instituída. 

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