segunda-feira, 17 de junho de 2013

# 255






































Nemesis, anunciado por Philip Roth como sendo o seu derradeiro livro, é constituído por 3 capítulos: o primeiro, Equatorial Newark, tem 140 páginas; o segundo, Indian Hills, cerca de 100; e o último, Reunion, pouco mais de 40. Na página 154 fiz o meu primeiro sublinhado, sob a frase “He was struck by how lives diverge and by how powerless each of us is up against the force of circumstance.” Ele é Bucky Cantor, protagonista desta história situada próximo do final da Segunda Grande Guerra, um rapaz de vinte e poucos anos, olhado com admiração pelos seus alunos de educação física, pelas suas capacidades atléticas, que só a escassez de visão, que explica os óculos grossos que usa, justifica que não o tenham enviado para combater os alemães ou japoneses. Bucky carrega a culpa de não ter sido alistado, junto com a de ter perdido a mãe no parto, mais a do pai ter sido afastado pelo avô materno por se tratar de um burlão e um patife, e em cima de todas estas culpas cai um surto violento de poliomielite que trará consequências devastadoras para a sua vida. É que a voz de Nemesis, que eu desconhecia que se traduz por “castigo merecido”, não vem de Bucky mas de outra personagem, uma das crianças, quando adulta, que fazia parte do grupo de miúdos de quem Bucky se ocupava nas férias de Verão, ano de 1944, com práticas desportivas. O reencontro entre Bucky Cantor e Arnold Mesnikoff dá-se em 1971, sendo que Arnold, apesar de muito incapacitado pela mesma doença, conseguira refazer a sua vida, casara, tivera filhos, e dedicara-se à arquitectura no ramo das acessibilidades, ao passo que Bucky se escondera da vida, ressentido com o que lhe acontecera e aos outros à sua volta, que destruira a idealização do que para ele um homem devia ser: o homem a quem a namorada de Bucky, Marcia, escrevera certo dia numa carta, repetidas 218 vezes, as palavras “my man”.
Bucky deixara de corresponder aos seus olhos a esse mesmo homem, fisicamente e por consequência moralmente indestrutível, quando a poliomielite o deixou com as pernas sustentadas por próteses metálicas, junto com um dos braços praticamente sem vida. Desistiu de Marcia, escondeu-se de todos, passando a viver sozinho, após a morte da avó, num quase total anonimato. A história de Nemesis corresponde à história de Bucky Cantor contada a, e por, Arnold Mesnikoff. A voz de Philip Roth projecta-se em Arnold e a questão filosófica central a Nemesis volta a ser explicitada na página 242, quando se lê “Sometimes you’re lucky and sometimes you’re not. Any biography is chance, and, beginning at conception, chance – the tyranny of contingency – is everything.” Bucky responsabiliza Deus, e faz de si próprio bode expiatório pelo rumo que a sua vida tomou. É mais uma vítima das prerrogativas a que deve o homem corresponder, presentes e problematizadas ao longo de toda a obra de Philip Roth. Um modelo de masculinidade universal que quando investido com cegueira resulta em auto-condenação e até tragédia pessoal.
Philip Roth pode ter parado de escrever, o que não impede que os conflitos interiores dos seus “heróis” continuem a reproduzir-se nas vidas de todos os dias. Os homens continuam a ser como são até que a tradição que herdamos deixe de ser o que sempre foi.        

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