quarta-feira, 5 de junho de 2013

# 238






































À Procura de Sugar Man narra a história de um fenómeno e é redutor vê-lo como tentativa de reparar uma injustiça. Sixto Rodríguez gravou dois discos no período mais rico da música popular, compreendido entre o final da década de 60 e o começo da década seguinte, numa editora secundária, os discos pouco ou nada venderam, a editora A&M Sussex largou-o, e Rodríguez fez-se à vida, na construção civil, e teve filhas. 40 anos volvidos sobre as obscuras gravações, em particular o álbum Cold Fact (1970), continuava a viver na casa onde viveu sempre, modestamente. O fenómeno tem então origem na Cidade do Cabo, onde por efeito viral e em pleno clima de apartheid, Sixto Rodríguez, ou Jesus Rodríguez, ou apenas Rodríguez, se tornou involuntário símbolo da contestação ao regime sul-africano, tendo vendido desse disco de estreia cerca de meio milhão de cópias (num país com 40 milhões de habitantes). A busca por este homem é ali que tem início, no continente africano, no contágio que passa de um melómano que trabalha numa joalharia e mais tarde abrirá uma loja de discos, para um jornalista musical que a ele se alia e que tempos depois irá ao encontro de Rodríguez onde Rodríguez nunca deixou de estar, na cidade americana de Detroit. Para estes dois sul-africanos Sixto Rodríguez era um mito por identificar, alguém que chegaram a acreditar ter posto termo à vida em cima do palco (as versões variam, da imolação ao disparo de pistola). A “ressurreição” de Rodríguez veio a ter apoteótica celebração na Cidade do Cabo, onde várias multidões esgotaram seis noites de concerto, e a história do fenómeno terminaria aqui não fosse a produção deste filme, coroado com o Oscar de Melhor Documentário em Fevereiro passado.
Foi inteligente da parte do realizador sueco Malik Bendjelloul ir dando a conhecer a música de Rodríguez  à medida que o filme avança, e a imagem actual do músico só é revelada a meio da viagem. Assim diminui-se a possível valorização excessiva da sua curta obra em função do carácter extraordinário da história de vida. A vida é mais extraordinária que a obra, diga-se em abono da justiça, e a modéstia do homem mais extraordinária ainda. Pelo menos é o que o filme permite concluir a partir do que vemos e ouvimos. Um talento que se apagou em função dos factos, nada sabendo de que noutro ponto do globo uma segunda vida decorria independente da sua vontade. Quando as duas vidas coincidiram, por intervenção de outros, Sixto Rodríguez reagiu com a naturalidade de alguém que lá sempre tivesse estado, ou então alguém para quem a recuperação dessa mesma sensação fosse o suficiente. Aquele que nada deseja para si é o único capaz de aceitar tudo o que vier pela frente. Somos muito diferentes de Rodríguez na medida em que a sua história nos parece exemplar, próximo do inacreditável. Para ele limitou-se a ser mais um facto consumado. Rodríguez está fora deste mundo. Ele não regressou de parte alguma, limitou-se a retribuir a gentileza de o terem procurado.    

(visto na antestreia)

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